quarta-feira, 29 de abril de 2009

Decifrando Carlos

(imagem por Sónia Cântara)

Eu tinha a mania de olhar as pessoas pela janela do ônibus, olhava aquelas expressões que passavam rapidamente ante os meus olhos e imaginava como seriam além daquela única visão... Formulava histórias, juntava pares, imaginava um príncipe encantada moderno, e desencantada saía da condução na ultima estação. Pulava daqueles delírios para mais um dia banal, isso era uma terapia. Muitas vezes olhamos homens, mulheres e crianças (são mais especiais ainda!) que estão presentes em partes dos nossos dias como se estivéssemos dentro do ônibus vendo todos passarem, sem nada imaginar, além de imaginar, verdadeiramente se interessar por elas.
Na maioria das vezes nem nos motivamos, a saber, mais sobre os que no rodeiam... Coisa de gente fofoqueira? Não. Vejo todas as pessoas como histórias contadas há anos, escrita a cada dia, uma novela que as emoções são fascinantemente reais. Todas elas são mundos cheios de informações, sonhos, delírios, desertos, vales, selvas, mares, estrelas, abismos...
Depois que a gente cresce a imaginação perde o emprego para a razão, acho que por isso a maioria não mais me interessa... Peço a Deus que isso mude, e vai mudar.
O que mais me encanta em Carlos é isso, depois de tantas idas e vindas ele procura ver sempre o lado bom de todos ao redor, mesmo aqueles que a meu ver não merecem...
Ele casou como eu já havia dito, mas antes disso ele viveu como todo rapaz com sede de viver, fazendo suas escolhas erradas e certas, algumas mulheres erradas nesse pacote até chegar a que realmente seria a sua mulher. Teve dois filhos.
Nunca falou nada relevante sobre a sua história para eles, mas passou tudo que podia ensinar sobre a vida sem dizer uma palavra sobre ela. Quem é algo não precisa dizer o que é e nem para que veio, as atitudes mostram, falam muito mais que palavras soltas ao vento, que não agarram ninguém, passam como uma brisa leve sem deixar marcas.
Algo que ele sempre falava aos seus filhos, e que hoje os novos obstáculos da vida o deixa ocupado demais para pegar no pé deles, era sobre a comida...
Os pequenos sempre deixavam bastante parte da comida no prato, aquele resto de combustível ia diretinho para o lixo da cozinha... Carlos falava o seguinte: “Olhem para o meu prato! Papai come tudinho até o ultimo grão de arroz!”
O menino falava: “Ah pai... não estou mais com fome”.
O pai: “Coloque exatamente o que você agüentar comer”.
O menino: “Mas às vezes a minha fome acaba antes da comida”.
O pai: “Você não sabe o que é sentir fome, e nesse instante tem milhares de crianças nessa situação!”
O garotinho ignorava.
O pai: “Como até o ultimo grão em agradecimento a Deus, por o meu suor render o suficiente para nada deixar faltar, quero que vocês tenham o que eu não tive, mesmo hoje sendo muito grato pelo que me tornei”.
E sempre era assim, ou basicamente, a lição era sempre a mesma.
A vida nos leva por caminhos que muitas vezes não entendemos por que.
A junção de todos eles, o que fazemos durante a caminhada, as escolhas que fazemos ao acabar um trajeto... No final das contas diz exatamente o que nos tornamos, sem precisarmos dizer uma palavra, os mais sensíveis notam.

Nenhum comentário: